Elena Ferrante | Fofoca Literária

by - agosto 31, 2023

 


    Resolvi trazer para o blog, um quadro que eu fazia lá no Instagram, o Fofoca Literária. É aqui que vou fofocar sobre acontecimentos bizarros, misteriosos e criminais que acontecem no universo da literatura! Já tem um texto aqui no blog sobre o fim trágico de Euclides da Cunha, e tenho muitas outras fofocas para trazer! Hoje vamos falar sobre um dos maiores mistérios contemporâneos do mundo literário!

    A Fofoca Literária desta semana é sobre Elena Ferrante. Além de um grande sucesso mundial, a autora também tem o charme de ser um mistério. Isso por que Elena Ferrante nada mais é do que o pseudônimo de alguém que escolheu se manter no anonimato. Um fato que passa despercebido por muitos leitores é que os livros de Ferrante não trazem uma foto dela nas orelhas, como é comum acontecer. Ok, isso não é indicativo de que ela não exista, mas é uma das curiosidades que passamos a notar quando descobrimos que não sabemos quem é a pessoa por trás do pseudônimo.

    A polêmica começou em 1992, quando a editora italiana Edizione e/o publicou o título "Um amor incômodo", de Elena Ferrante. A publicação foi feita primeiramente apenas na Itália, e fez sucesso por lá. Mas a fama mundial veio apenas em 2011 com "A amiga genial", primeiro livro da quadrilogia napolitana que levaria Elena Ferrante ao estrelato na literatura. Entre 1992 e 2019, Ferrante publicou ao todo dez títulos, todos em italiano e pela mesma editora, também italiana. A tetralogia napolitana fez tanto sucesso, que ficou conhecido como "Harry Potter para adultos", uma comparação com o sucesso estrondoso da série de J. K. Rowling. No Brasil, Elena Ferrante nunca teve o boom que teve na Europa, embora tenha sido bem vendida por aqui também. "A amiga genial" vendeu mais de 16 milhões de cópias no mundo todo, e este número dá uma ideia do que foi a "Ferrante fever", como ficou conhecido o fenômeno de sucesso da autora. Em 2016, Elena foi nomeada uma das cem pessoas mais influentes pela revista Time. Já deu para perceber a proporção que Elena Ferrante ganhou na literatura. Mas, já pensou como seria se ninguém soubesse quem escreveu Harry Potter? É mais ou menos essa sensação que se tem em relação a Elena.

    Com o sucesso, a pergunta "quem está por trás do psedônimo?" passou a ser constante no meio literário. Aceitava-se que ela fosse italiana, pelo fato dos livros serem publicados em italiano, por uma editora italiana. Aceitava-se, também, que fosse uma mulher, devido ao conteúdo dos livros, que abordam o universo feminino com muita intimidade. Mas ninguém sabia nada além disso. Foi aí que começaram a surgir estudos acadêmicos comparando o estilo da escrita de Ferrante com o de outros autores italianos. Tais estudos buscavam similaridades e padrões entre os textos observados, tentando estabelecer linguisticamente quem estava por trás dos livros de tanto sucesso.

    Mas antes de qualquer conclusão acadêmica, o jornalista investigativo Claudio Gatti  publicou um artigo onde apontava que Elena Ferrante seria, na verdade, Anita Raja, uma tradutora de alemão que trabalhava para a mesma editora que publicava os livros de Ferrante. O vazamento das contas bancárias da Edizione e/o e o rastreamento das compras de várias propriedades em Roma e na Toscana, levaram Gatti a concluir que Anita seria Elena. Gatti apurou que Raja recebeu muito dinheiro de sua editora quando os livros começaram a fazer sucesso, muito mais dinheiro do que uma tradutora receberia normalmente. Na mesma época, a tradutora começou a comprar muitos imóveis, o que não condizia com seu estilo de vida até então. Mas que seria possível com os lucros do sucesso da quadrilogia napolitana. Além disso, Elena raramente dava entrevistas e quando o fazia era sempre por intermédio da editora, por e-mails trocados entre a editora e os jornalistas, nunca por um e-mail particular. Anita, por sua vez, sempre negou que era Elena Ferrante, mantendo o mistério em torno da autoria de sua obra.

    E aqui a história se bifurca. Os estudos acadêmicos baseados em uma análise estilométrica, concluíram que Elena Ferrante só poderia ser Domeninco Starnone, um homem, autor italiano de sucesso, de cerca de sessenta anos e... Marido de Anita Raja! Ao todo, nove estudiosos independentes confirmaram que os estilos de Ferrante e Starnone são indistinguíveis. Os estudiosos Tuzzi e Cortelazzo usaram em sua análise 150 romances de 40 romancistas italianos contemporâneos. Esses  textos foram entregues a um grupo de especialistas internacionais, que trabalharam de forma independente e com abordagens metodológicas diferentes, mas chegaram a conclusões semelhantes. George Mikros, da Universidade de Atenas, usou um algoritmo para criar perfis de autores, identificando seu sexo, idade e procedência com alto grau de precisão. Este algoritmo concluiu que Elena Ferrante era um homem com mais de sessenta anos da região de Nápoles. A descrição é muito parecida com Domênico Starnone. Outros dois estudiosos compararam os romances de Ferrante e Starnone e concluíram que ambos são autores extremamente originais, diferentes de todos os outros escritores italianos, mas muito parecidos entre si. Tuzzi e Cortellazzo também identificaram uma lista de termos e expressões que podem ser encontrado apenas nos escritos de Starnone e Ferrante, mas em nenhum trabalho de outro escritor.

    Em outro estudo, Tuzzi e Cortellazzo também apontam para uma evolução paralela entre os textos dos dois autores. Entre 1992 e início dos anos 2000, diferentes romances são publicados por Ferrante e Starnone, mas todos parecem ser da mesma família. Em 2010, segundo os estudiosos, percebe-se um desenvolvimento no estilo tanto em Ferrante quanto em Starnone. Estas descobertas podem ter várias interpretações. Pode ser que Starnone use o nome de Ferrante quando quer abordar uma narradora feminina em primeira pessoa, mas também pode ser que esteja em colaboração com Anita Raja. Outros estudos apontam que alguns textos foram escritos por Starnone, Raja e alguém da editora Edizione e/o. De qualquer forma, parece que Estarnone, em colaboração ou não com sua esposa, é o responsável pelos livros de Elena Ferrante. Mas por que um autor de sucesso decidiria usar um pseudônimo?

    Um dos motivos pela escolha do pseudonimo pode ser uma questão contratual. Como Starnone já tinha contrato com uma grande editora italiana, escolheu um pseudonimo para se desobrigar juridicamente e poder publicar outros livros por uma editora menor. Isso não é uma novidade no meio editorial, e aconteceu até no Brasil. Raphael Montes publicava seus livros pela Cia de Letras, e usou um pseudônimo em conjunto com Ilana Casoy para publicar "Bom dia, Veronica" pela DarkSide. Essa é uma prática até bastante conhecida. Outro motivo talvez seja que Starnone quis se distanciar das possíveis críticas que receberia por escrever romances com protagonistas femininas, em primeira pessoa, sendo ele um homem. O pseudonimo o liberaria desse peso da crítica.

    Domenico Starnone e Anita Raja nunca assumiram serem os nomes por trás de Elena Ferrante. Pelo contrário, negam com veemência esta afirmação. Muitas leitoras acham que seria impossível os livros de Ferrante serem escritos por um homem, já que abordam temas do universo feminino de uma forma que só poderia ser feito por uma mulher. E muitas leitoras também admitem que poderia ser uma união de Starnone e Raja. Mas, apesar de todos os estudos e investigações, o mistério em torno de Elena Ferrante continua.


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