Euclides da Cunha e a Tragédia da Piedade | Fofoca Literária

by - agosto 08, 2022

 

    Euclides da Cunha foi matar e acabou morto.

    O título é quase engraçado, se não fosse trágico. O escritor de "Os sertões" - que eu recomendo muito que você leia, caso já não tenha feito -, foi tentar matar o amante da esposa e acabou sendo morto por ele. Anos depois, Euclides Filho tenta vingar o pai e também é assassinado.
 
    Euclides da Cunha e Ana Emília Ribeiro se casaram aos 18 anos. Muito tímido, o jovem marido não demonstrava seus afetos e passava longas temporadas fora de casa. Três meses enquanto acompanhou o conflito em Canudos e outros treze meses quando foi para a Amazônia. Ana sentia-se sozinha e foi assim que conheceu Dilermando de Assis, um cadete 16 anos mais jovem que ela. Os dois viviam na mesma pensão e a paixão foi avassaladora. Mesmo com a volta de Euclides, o romance continuou e Ana Emília teve dois filhos com Dilermando, que foram assumidos por Euclides.
 
    Alguns conhecidos começaram a desconfiar de Ana e Dilermando, e o boato de traição correu a cidade. Euclides já tinha suas desconfianças, pois seu suposto filho mais novo era loiro e muito diferente dos outros. Foram meses de brigas violentas entre o casal. Até que Euclides se cansou.
 
Ana e Dilermando se encontravam na casa do irmão do cadete, Dinorah de Assis, mas Euclides descobriu o esconderijo. Na manhã do dia 15 de Agosto de 1909, Euclides, vestido todo de preto, pediu uma arma emprestada a seu primo e rumou para a casa de Dinorah, que ficava no bairro da Piedade, para flagrar os amantes.
 
Euclides da Cunha
 
    Ao entrar pela porta, Euclides atirou em Dilermando que, desarmado, caiu. Dinorah foi ao encontro do irmão, também desarmado, e também foi baleado por Euclides. Aqui uma curiosidade: diz-se que Dinorah não sentiu nada na hora do tiroteio e mesmo dias depois ainda participaria de uma partida de futebol pelo Botafogo de Futebol e Regatas, porém logo começa a sentir hemiplegia e acaba paraplégico. Aos 32 anos - 12 anos após o tiroteio -, Dinorah se suicida. Voltando ao ataque de Euclides, após atirar em Dinorah, Dilermando mesmo ferido consegue pegar sua arma e vendo que Euclides ia em direção a Ana Emília, que estava escondida com seus dois filhos mais novos, atira para o alto para tentar amedrontar Euclides. Quando Euclides tenta retomar o ataque, Dilermando atira na direção dele, sem a intenção de acertá-lo, mirando em uma das paredes da casa. Mesmo assim, Euclides não parou de atirar e acabou atingido por um tiro no punho. Encostado em uma parede, Euclides continua o ataque. Dilermando pede que ele fuja, pois não quer matá-lo, mas Euclides continua a atirar. Dilermando já havia levado quatro tiros, na virilha, no pulmão, no pulso e nas costelas e decide atirar em Euclides. As balas de Euclides acabam e Dilermando o encontra caído no chão, ainda puxando o gatilho. A necropsia revelou que Euclides tinha ferimentos no flanco direito, no úmero, no pulso e no pulmão, este ultimo tendo causado sua morte. Tudo isso consta nos autos do processo.
 
  Dilermando e Ana Emília

    Dilermando foi julgado e absolvido, tendo agido em legítima defesa. Ele e Ana Emília se casaram em 1911, sem desconfiar que em 1916 viveriam outra tragédia. Euclides da Cunha Filho, o Quindinho, então com 22 anos, tentou vingar a morte do seu pai. Foi até o Fórum do Rio de Janeiro, aonde o padrasto trabalhava, e com a mesma arma utilizada por seu pai, disparou contra Dilermando que, mesmo ferido, conseguiu matá-lo. Deste duelo, Dilermando também foi absolvido, pois haviam várias testemunhas para alegar a legítima defesa.
 
Euclides da Cunha em seu caixão
 
    Um pouco após a nova tragédia, Ana descobriu que o marido tinha uma amante, Marieta, com a qual se casou após a separação. A mulher passou o resto da vida sozinha na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro.
Notícia da "Tragédia da Piedade" na revista "O Malho" de 1909
 
    A "Tragédia da Piedade", como ficou conhecido o episódio, é um dos casos jurídicos mais célebres do Brasil.
 
    Poderia ser uma história inventada para um romance, mas aconteceu mesmo. Mais uma vez a realidade supera minha capacidade de inventar histórias trágicas.
 
    Agora, vá ler "Os sertões", que também é uma história real, digna de romance!

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