Wilayat, a Rainha sem reino - A história trágica de uma família real na Índia

by - agosto 02, 2022

    Não é segredo para ninguém que eu adoro o que hoje chamam de "True Crime Stories" (ou histórias de crimes reais) muito antes de ser modinha. Navegando pelo vasto universo de histórias criminais, vira e mexe me deparo com alguma coisa tão bizarra, que por sua bizarrice chega a ser incrível. Uma dessas histórias é a de Wilayat, uma rainha sem reino. A mulher, seus dois filhos e alguns súditos viveram por anos em uma estação de trem em Nova Déli, até o governo lhe dar uma mansão no meio da selva.
 
    Em 1975 chegou a uma estação de trem em Nova Déli uma mulher que se dizia herdeira dos governantes de Oude, um reino extinto que ficava naquela mesma região do país. Ela se chamava Wilayat e junto aos seus dois filhos, o príncipe Cyrus e a princesa Sakina, exigia que o governo indiano lhe desse uma moradia digna da realeza. O reino de Oude realmente existiu, mas a família real foi expulsa da região no século XIX, quando a Inglaterra colonizou a Índia. Desde então, eles viviam no Paquistão. Agora, Wilayat vinha buscar o que era seu por direito.
 
    Sem saber muito bem o que fazer com a mulher e sua comitiva, as autoridades ofereceram a ela um espaço reservado, uma espécie de sala de espera VIP na estação de trem, onde eles viveriam por quase dez anos. Dia após dia, a rainha Wilayat, o príncipe Cyrus e a princesa Sakina ficaram ali, na sala de espera, acompanhados por um mordomo, esperando. Cansada de aguardar por uma ação do governo, na década de 1980, Wilayat começou a buscar jornalistas que levassem sua história para fora das fronteiras da estação. Jornais do mundo todo noticiaram o curioso caso da rainha sem reino. Diante da repercussão, o governo indiano resolveu alojar a família real em uma palácio, já meio decadente, no meio da selva, no coração de Nova Déli. A construção, datada do século XIV era uma imensa, e antes suntuosa, casa de caça abandonada, sem energia elétrica ou água encanada, onde a família pretendia reconstruir seu império.
 
    No começo, alguns funcionários eram vistos comprando comida nas imediações do palácio, mas com o tempo esses funcionários foram embora e a família tornou-se reclusa. Boatos de que a casa era mal assombrada começaram a correr pela região, mas ninguém se atrevia a entrar, pois a casa era guardada por muros altos, com cercas de arame farpado e 12 cães de guarda. Muitos jornalistas tentaram contato com a rainha e seus filhos, mas nunca conseguiram. Até que na década de 1990, um jornalista encontrou o príncipe Cyrus no portão do palácio e, após longos quatro anos de negociação, conseguiu entrar na propriedade e até fotografou a família.
 
Príncipe Cyrus, princesa Sakina e um mordomo.
 
    Pouco tempo depois, a rainha Wilayat cometeu suicídio, teoricamente em protesto pela forma como o governo tratava a realeza, e sua história ganhou a empatia dos indianos, representando o sofrimento do país nas mãos dos colonizadores. A princesa Sakina, também faleceu, deixando o príncipe Cyrus em completa solidão no palácio, já quase totalmente tomado pela selva.
 
Wilayat, a rainha de Oude, no palácio cedido pelo governo indiano.
 
    Em 2016, Cyrus decidiu convidar a repórter Ellen Barry, do The New York Times, para conhecê-lo. No dia e hora marcados, lá estava ela, aguardando um funcionário. Mas do meio da mata, saiu o príncipe em pessoa. Ellen o seguiu até o palácio, selva adentro. Por quase um ano e meio, Cyrus dizia que sua irmã estava doente, em tratamento em outra cidade. Só mais tarde revelou que ela estava morta.
 
    Mas, no meio dessas entrevistas e visitas, Cyrus morreu. Um dos guardas de uma base militar que ficava perto do palácio o viu cambaleando pela estrada e se ofereceu para ajudá-lo. Segundo o guarda, Cyrus parecia ter contraído dengue, mas se recusava a ir a um hospital tratar-se com "pessoas comuns". Alguns dias depois, ele foi encontrado morto nos jardins da propriedade e um exame póstumo revelou que o príncipe realmente teve dengue. Cyrus foi enterrado como indigente, devido a ausência de qualquer parente para cuidar dos trâmites. Ao saber disso, Ellen tentou localizar seu corpo, porém ele fora enterrado em uma vala comum, com outros corpos comuns, e localizá-lo nunca foi possível.
 
Príncipe Cyrus, no palácio.
 
    O palácio foi saqueado pela população local, que acreditava que encontraria tesouros secretos na propriedade. Mas quando Ellen voltou ao local, encontrou algumas cartas de um homem chamado Shahid, que vivia na Inglaterra e, ao que tudo indicava, era o terceiro príncipe herdeiro do reino de Oude. Shahid tinha mais de 80 anos e dizia não se lembrar da história da mãe e dos irmãos e morreu sem contar sua versão, mas Ellen conseguiu contato com alguns parentes que viviam nos Estados Unidos e no Paquistão. A história que ela descobriu era de deixar qualquer um de boca aberta.
 
    A família de Wilayat teve que fugir da Índia em 1947, quando a saída dos britânicos gerou um conflito violento entre hindus e muçulmanos, que acabou resultando na criação do Paquistão. Os muçulmanos, como a família de Wilayat, foram enviados para o novo país. Ela nunca aceitou deixar tudo para trás e durante um evento público, estapeou um ministro, exigindo uma solução. 
 
    Pela agressão, ela foi condenada a passar seis meses em um sanatório, onde foi submetida a toda espécie de violências e maus tratos, entre eles, os famosos choques elétricos. Quando saiu, Wilayat pegou os três filhos e cruzou ilegalmente a fronteira da Índia, chegando a estação de trem em Nova Déli. Ela nunca foi herdeira do reino de Oude, mas todos a sua volta embarcaram em seu delírio. Menos Shahid, que era bem mais velho que Cyrus e Sakina, e conseguiu fugir durante a viagem.
 
    Ellen apurou que Shahid enviava algum dinheiro ao irmão, mas conforme foi envelhecendo, apenas mandava algumas cartas, esporadicamente. Na casa dele, haviam algumas fotos da mãe e dos irmãos ainda crianças, onde a semelhança entre ele e Cyrus ficava evidente.
 
    Na região de Nova Déli existem várias lendas sobre o príncipe que vivia na selva e sobre a rainha da estação de trem. Ellen Barry contou essa história em um podcast do The New York Times chamado "The Jungle Prince". Nele você pode ouvir trechos das entrevistas com Cyrus. Também é fácil encontrar muitas fotos da família pela internet. A verdadeira história da rainha Wilayat, do príncipe Cyrus e da princesa Sakina, pode se perder em meio às lendas, mas ainda vai gerar fascinação por gerações.
 
    Sim, esta é uma história real. Não é um dos meus contos de intriga e mistério. Ultimamente, as histórias reais que encontro pelas minhas pesquisas tem me deixado muito mais fascinada do que qualquer história fantástica que minha cabeça um pouco perturbada possa inventar.
 
 
 
 
 
 
Fontes:
The Jungle Prince of Delhi
https://www.nytimes.com/2019/11/22/world/asia/the-jungle-prince-of-delhi.html

Mistério na selva: a história trágica da realeza que conquistou a Índia
https://mabiporai.com/2019/12/09/misterio-selva-historia-realeza-oudh-oude-india/

You May Also Like

0 comentários