Caso Leandra | Desafio 30 dias de escrita | #08: escreva uma história só com diálogos

by - agosto 19, 2023



    "Oi, Cláudia."

    "Dr. César, é um telefonema urgente para o senhor. Posso transferir?"

    "Do que se trata?"

    "Bem, doutor, é uma moça, pela voz parece jovem. Ela está muito confusa, mas tem algo a ver com o caso Leandra. Eu acredito que seja importante.

    "A moça se identificou?"

    "Não, senhor, mas disse que era urgente."

    "Ok. Pode transferir."

    "Cesar Alencar, em que posso ajudar?"

    "Ola, dr. Cesar, meu nome é Maitê, o senhor não me conhece, mas eu estou por dentro do seu trabalho no que vocês chamam de... caso Leandra. Tenho algumas coisas importantes para dizer. Quero que o senhor me ouça."

    "Está bem, mas vou precisar do seu nome completo e endereço para mandar a intimação. Você sabe que vai precisar depor, não sabe?"

    "Tenho consciência disso, doutor."

    "Certo. Prossiga, então."

    "Bem, eu sou irmã gêmea da Leandra, isso o senhor consegue corroborar com facilidade.

    "Irmã? Ela me disse que não tinha mais família."

    "Apenas ouça, doutor, por favor."

    "Certo. Me desculpe"

    "Leandra e eu crescemos separadas. Nossos tios não tinham condições de criar as duas depois que nossos pais morreram e preferiram ficar com a gêmea mais forte. Eles são pessoas simples, vivem no sítio, e uma criança precisaria ajudar nas tarefas. Eu fui uma menina muito magra, principalmente se comparada à Leandra, que sempre foi atlética, ágil e forte. Eu cresci em uma casa abrigo. Meus documentos de adoção só saíram quando eu era adolescente, pois o Estado sempre tentou me juntar a minha família sanginea, meus tios, que nunca aceitaram me receber. Eu gostaria de dizer que a vida da Leandra foi melhor que a minha devido ao fato dela viver com meus tios, mas a verdade é o contrário. A vida dela foi um inferno. Meu tio era alcoolátra e acho que minha tia sentia alívio em ter uma mulher na casa para dividir o fardo do casamento, se o senhor me entende."

    "Seu tio abusava sexualmente da Leandra?"

    "Isso. Bem, na casa abrigo eu fui quase feliz. Claro que a falta de coisas materiais e afeto familiar tem um efeito na gente, mas fiz bons amigos por lá e consegui estudar. Eu sou técnica em radiologia e tenho uma carrerira estável, ou pelo menos tinha. Quando fizemos 19 anos, eu procurei a Leandra na casa dos meus tios. Disse a ela que logo eu teria um emprego e poderíamos morar juntas, se ela quisesse. Ela me recebeu com desprezo e muita raiva. De alguma forma, Leandra encontrou em mim o culpado para sua vida infeliz. E acho que, de certa forma, ela tem razão. Mas agora isso é passado."

    "Você tem alguma coisa a dizer sobre o crime?"

    "Já vamos chegar lá. Leandra não aceitou ir comigo e acabamos nos distanciando ainda mais. Nunca mais a vi depois daquele dia. Só soube dela através das notícias de jornal no ano passado. Doutor, Leandra é inocente."

    "E como você sabe disso?"

    "Por que eu estava lá."

    "Você acabou de dizer que só soube dela pelos jornais..."

    "Sim, mas eu não sabia quem estava na casa dos meus tios naquela noite, mas sabia que era um homem. Só soube que se tratava do vizinho que virou testemunha, quando saíram as notícias que ele tinha visto Leandra cometer os crimes. No fim de tarde do dia que meis tios foram assassinados, eu fui até a casa deles tentar falar com a Leandra. A tia me fez entrar para esperar por ela que não estava em casa, até me ofereceu café. Ela sempre era gentil para poder me pedir dinheiro em seguida. O tio estava no sofá, vermelho e inchado de tanto beber. Ficou ofendendo a mim e à Leandra com a voz baixa, tentando caçar uma discussão. As coisas naquela casa eram tensas. Quando ela chegou, ficamos na varanda. Conversei com ela, pedi que viesse comigo. Ela não aceitou. Achei que estava alterada, estranha, talvez estivesse sob efeito de drogas. Percebi que ela tinha medo do meu tio, por algum motivo. Perguntei se ele ameaçava persegui-la se ela fosse embora, e ela não respondeu. Disse a ela que se ela viesse comigo eu garantiria que ele não poderia fazer mal a nenhuma de nós. Ela pensou por um tempo, mas logo depois me pediu para deixa-la em paz. E então entrou na casa. No fim daquela noite, eu voltei lá, alguma coisa estava me incomodando naquele cenário. Cheguei por volta das 23h00. A casa estava totalmente escura e o silêncio era absoluto. No sítio, tudo é muito escuro, doutor. Não tem iluminação de rua para entrar pelas frestas da janela. Eu empurrei a porta e quando entrei, vi o corpo do meu tio no sofa, com a garganta cortada, dali mesmo olhei para o quarto e vi minha tia na cama, não demorou para perceber que ela também estava morta. Procurei Leandra pela casa toda, mas não encontrei ninguém. Saí para os fundos da casa, imaginando que ela teria corrido pelo milharal, procurando ajuda. Ela sabia que os meus tios só seriam encontrados muitos dias depois, pois não tinham muitos amigos e o caminhão da cooperativa que passa recolhendo o milho só chegaria na sexta-feira. Como o senhor sabe, eles morreram na segunda a noite. Imaginei que Leandra procuraria por mim, então desisti de procurar no milharal. Ela sabia se virar na natureza, e isso me deixou um pouco mais tranquila. Eu sempre achei que foi ela que matou os dois. Então, eu voltei para a casa e antes de sair pela porteira tive uma ideia. Voltei e pensei em uma forma de incendiar a casa, tentando fazer parecer uma pane elétrica. Isso é comum em regiões rurais. Quando me aproximei do quadro de luz vi uma silhueta atrás do poste, parecia um homem, o tal vizinho que testemunhou tudo. Só depois, quando li as notícias eu soube que ele estava dizendo ter visto a Leandra cometer o crime. Ele correu para o milho, e eu ateei fogo na casa, com os corpos dentro. Meu plano de parecer um acidente teria dado certo se o vizinho não tivesse outros planos. Minha atitude facilitou as coisas para ele. Foi aí que eu percebi que a versão dela era verdadeira. O vizinho entrou na casa, matou os tios e estava procurando por ela, para matá-la. Quando me viu perto do quadro de luz, achou que eu era Leandra, pois somos gêmeas, e teve a ideia de incriminá-la. Então, inventou a história sobre ter visto ela matando os dois e depois pondo fogo na casa."

    "Então foi você que colocou fogo na casa? Por que as digitais da Leandra estavam no quadro de luz?"

    "Eu não sei. Talvez não estivessem e a polícia tenha dito que estavam para corroborar a versão do vizinho."

    "E por que ela não te procurou depois do crime?"

    "Eu também não sei. Esperei ela me procurar por semanas. Mas ela nunca veio até mim."

    "A polícia não te interrogou?"

    "Não. Acho que eles não sabem que eu existo, ou fingem não saber. Afinal, a versão oficial já está definida: Leandra matou meus tios e depois incendiou a casa."

    "Então a versão dela é verdadeira..."

    "Em todas as letras. Depois do vizinho ter matado meus tios, ela conseguiu fugir e com medo ficou escondida, até ser encontrada pela polícia."

    "Eu sempre achei que ela quis ser encontrada pela polícia. Ela é uma garota inteligente, não daria tanta bandeira se realmente quisesse se esconder."

    "Ela deve ter preferido que a polícia a encontrasse do que o vizinho."

    "Sim, agora isso fez sentido pra mim. A parte mais complicada da defesa da Leandra é corroborar com evidências o que ela diz. Com o fogo, as evidências, como arma do crime, desapareceram. Isso complicou o lado dela. E tem a motivação também. Ela sempre disse que foi o vizinho, mas qual motivo ele teria para matar os tios?"

    "Naquela região, com tanta pobreza, bebida e falta de estudo, qualquer briga de bar é motivo para morte, doutor. Os dois era vizinhos e bebiam muito, pode ter sido qualquer coisa que motivou o crime."

    "Você tem razão. Mas eu preciso provar isso no julgamento."

    "Acho que se o senhor perguntar nas redondezas sobre o vizinho, principalmente para as mulheres, alguém vai saber de alguma coisa. As mulheres não falam com os homens, mas falam entre si. Se alguma delas souber de alguma coisa que possa ajudar a Leandra, acredito que vá querer fazer a coisa certa. Afinal, todas elas sofrem nas mãos dos maridos."

    "É um bom começo, acredito. E você não seria testemunha da sua irmã?"

    "Foi para isso que eu telefonei, doutor. Se eu puder ajudar a provar a inocência da minha irmã, estou à disposição."

    "Você vai ter que confessar o incêndio. Está de acordo com isso? Você pode ser até presa."

    "Eu posso dizer que eu vi o vizinho matando meus tios e ateando fogo na casa e que quando ele me viu correndo da cena pensou que eu era a Leandra e resolveu incriminá-la. Posso ser uma testemunha falsa, como ele."

    "É arriscado."

    "Bem, tenho certeza que o senhor vai dar um jeito. Eu tenho mais um pedido para o senhor, doutor."

    "Você quer ver sua irmã..."

    "Sim..."

    "Acho que posso providenciar isso."

    "Certo."

    "Deixe os seus contatos com a minha secretária, Claudia. Eu entro em contato amanhã de manhã."

    "Combinado. Muito obrigada, doutor."

    


Texto #08 do Desafio 30 dias de escrita. Esse texto ficou péssimo.

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