Alegrias violentas | Desafio 30 dias de escrita | #07: use uma manchete de jornal como tema para seu texto

by - agosto 13, 2023


Olá, Violeta, como vão as coisas por aí?

    Escrevo esta carta para você, apesar de não nos conhecermos, pois hoje me deparei com um desafio de escrita um tanto cabeludo: usar uma manchete de jornal como tema para um texto. A manchete que eu escolhi foi "Cinco motivos para não usar ChatGPT". Pensei, pensei e pensei e não achei uma única ideia para compor algo sobre este assunto. Mas me lembrei do livro que você escreveu para seu neto Camilo, contado a história de sua vida. Recentemente, eu li o livro e ele se tornou meu livro favorito, então, me sentindo íntima de você resolvi te escrever esta carta.

    ChatGPT é uma Inteligência Artificial que escreve textos a partir de uma pergunta. Você acessa a ferramenta, coloca sua pergunta ou questão e ela escreve um texto inteirinho sobre aquele tema. Desde que a tal ferramenta se tornou popular, eu torci o nariz. A gente não pode confiar nem nas impressoras, que são temperamentais e só funcionam quando querem, que dirá dar a tarefa de escrever para um computador! Mas, como até para falar mal de alguma coisa a gente precisa conhecer, acessei o ChatGPT algumas vezes para experimentar os serviços. Péssimos! Nos primeiros textos, a AI (sigla para Inteligência Artificial, em inglês, pois neste país nada que pareça sério pode ser na língua natal) até que me deu alguns parágrafos relevantes. Lógico que para ficar minimamente digno, precisaria de muita revisão, mas tinha até algo que se pudesse usar. Depois de dois ou três dias de uso, porém, a engenhoca começou a me dar resultados em espanhol... Violeta, como as pessoas podem dar tanto poder a uma coisa tão burra? Eu realmente não entendo.

    Recentemente, antes de eu resolver testar a geringonça, uma moça me pediu para revisar um texto que ela tinha escrito para um e-book. Quando entreguei o trabalho, ela me confidenciou que tinha usado o ChatGPT para escrever. E eu tive que confessar a ela que nunca tinha visto algo tão mal escrito em toda a minha vida, e que bom que ela tinha usado a ferramenta, pois eu estava preocupada sobre sua capacidade de escrever e ia indicar que voltasse a estudar. Agora, pude indicar apenas que ela se esforçasse um pouco mais e, de fato, escrevesse o que queria dizer às pessoas. Entendo que nem todo mundo tem apotidão para escrita, mas usar um robô para escrever algo em seu lugar me parece absurdo. É delagar sua voz, sua visão sobre o mundo e sobre si mesmo a uma "inteligência" que se baseia no que encontra na internet para escrever qualquer coisa, sem nenhum filtor, sobre algum assunto. Nem preciso e dizer que a internet reflete a humanidade, pois sei que você já sabe. Quem pode olhar para os conteúdos da internet e achar uma boa ideia que tanta ignorância seja usada para basear o que ela quer dizer ao mundo? Por que alguém delegaria o próprio ato de pensar a uma máquina dessas? Acho que as únicas pessoas capazes de fazer isso são as que não leem.

    Os livros realmente nos libertam, Violeta. Eles evitam que qualquer engenhoca da moda possa nos escravizar. Os livros, as histórias, a ficção, são as únicas ferramentas que, de fato, nos libertam e nos ensinam a pensar pela própria cabeça. O advento das redes sociais já provou isso. Tais ambientes virtuais (que nem existem na materialidade!) conseguiram escravizar a humanidade por que os seres humanos estavam carentes de histórias. A TV não supria mais esta demanda e as pessoas já tinham se esquecido dos livros. Ficou fácil para o Facebook enfiar qualquer bobagem goela abaixo e quando seus donos perceberam isso, trataram logo de enfiar coisas mais perigosas na cabeça das pessoas. O Facebook mudou o rumo de eleições, Violeta. Mudou o mundo, mesmo, e eu nem consigo dizer que para melhor.

    Se as pessoas entregaram para as redes sociais sua vida material, aceitando viver num mundo totalmente virtual que, além de não existir de fato, é extremamente excludente, agora elas aceitam entregar sua capacidade de criar a uma máquina que elas nem sequer sabem quais interesses representa.

    Ha algumas semanas, viralizou uma reportagem onde grandes executivos diziam que as AI's podem destruir o mundo entre cinco e dez anos. Eu até ficaria alarmada, se não fosse formada em propaganda e não conhecesse essa estratégia tosca de marketing do medo. O pânico vende, Violeta. Sempre tem alguém para vende lenço enquanto os incautos choram. Não só não me alarmei, como senti certo alívio. A possibilidade de que falta pouco para esta coisa grotesca e violenta que se tornou o mundo acabar, me trouxe alívio. Claro que eu gostaria que fosse diferente, mas, olha Violeta, talvez seja melhor assim.

    Avançamos tanto, tecnologicamente falando, que nos tornamos idiotas completos. Há uns dois anos assisti uma série de TV onde criava-se um ambiente com robos que pareciam humanos perfeitos e neste ambiente, quem pagasse, poderia fazer o que quisesse: de se embriagar até matar os robos como se fossem pessoas reais. Nesta série, uma das robôs, que passava a ter um comportamento fora do esperado, agindo como se pensasse e sentisse por conta própria, fora do que fora programado, citava Shakespeare, em Romeu e Julieta: "estas alegrias violentas têm fins violentos". Acompanhando o avanço desse ChatGPT e outras AI's, me sinto representada pela frase do bardo. 

    Shakespeare escreveu:

    "Estas alegrias violentas têm fins vioolentos
    Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora
    Que num beijo se consomem."

    Talvez nosso fim tenha acabado de começar, Violeta. E todas as alegrias violentas que a internet proporcionou, terminem como fogo e pólvora. Esse mês até lançaram um filme enaltecendo o criador da bomba atômica, veja só. Uma sociedade que enaltece um assassino não pode ser poupada do extermínio, não acha? Chegamos ao derradeiro beijo da morte, e nem é algo tão poético quanto em Shakespeare. É apenas uma ode à ignorância.

    Agradeço por poder te enviar esta carta, foi muito importante para mim escrevê-la. Sei que pareço triste e desesperançosa, mas como diria Clarice (a quem também escrevi recentemente), "é que hoje eu estou triste."

    Até mais, querida Violeta! Espero voltar com notícias melhores na próxima carta.

    Com amor,

    Marina.


Texto #07 do Desafio 30 dias de escrita. Manchete de jornal escolhida: "Cinco motivos para não usar o ChatGPT"

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