The Backroom

by - abril 27, 2023

     Beatriz pegou sua bolsa de alça longa, que poderia transpassar no corpo ficando com as mãos livres, colocou sua câmera fotográfica dentro, alguns documentos, o batom e saiu do apartamento pequeno no coração de São Paulo. Desceu as escadas e ao ganhar a rua ficou feliz em ver o sol brilhando. Com tanta luz conseguiria ótimas fotos. Decidiu caminhar até o ponto do bonde, na Praça da República, para chegar ainda pela manhã no suntuoso prédio que abrigava o Museu do Ipiranga. Os jardins do monumento-edifício eram exatamente o cenário que ela buscava.

    Desceu do bonde em frente ao Monumento da Independência e ali mesmo começou a enquadrar algumas fotos. Resolveu caminhar pela lateral direita do prédio, uma área arborizada, com muitos pássaros. A partir daquele momento não tirou mais a câmera das mãos. A cada foto, rebobinava o filme e seguia para o próximo enquadramento. Tinha tomado o cuidado de trazer um filme extra de 12 fotos, 24 fotos seriam demais, ela sabia, mas mesmo assim prefiriu vir previnida. Distrída, com os olhos fixos no pequeno visor da câmera, não percebeu quando sua saia, bastante rodada, se prendeu em um arbusto. Ao dar um passo para trás, a saia a segurou e ela caiu no chão. Ao abrir os olhos, porém, estava em outro lugar.

        Com alguma dificuldade, Beatriz se levantou e percebeu que não havia sido uma queda muito grave, ainda segurava a câmera e sentia apenas um leve desconforto na lombar. Ela olhou em volta sem entender que lugar era aquele e como tinha ido parar ali. Parecia uma sala de escritórios típica, porém não tinha nenhuma mobília. As paredes eram de um tom de amarelo apagado, potencializado pelas muitas lâmpadas incandescentes. O chão era coberto por um carpete bege, apenas uma nuance diferente do tom das paredes, que parecia mal cuidado, desprendendo um forte cheiro de cachorro molhado, como se estivesse úmido. Os espaços eram divididos por paredes, e ela tinha uma visão limitada do tamanho total do escritório. Assim, decidiu tentar encontrar alguém. Afinal, as luzes estavam acesas, devia ter alguém ali.



        - Olá? - ela arriscou enquanto caminhava insegura pela sala.

        Nenhuma resposta. De onde estava, viu que a sala se abria para outro cômodo e dali tiha um corredor bem amplo, com divisórias para outras salas, que parecia ter uma abertura ao fundo, a esquerda. Ali havia um corredor estreito, um pouco escuro, mas ela notou que o espaço parecia se abrir para mais uma sala amarelada e seguiu naquela direção, arriscando mais uma vez:

        - Oláááá?

        Nesse momento ela percebeu alguém se movendo ao fundo da sala, mas quando caminhou em direção ao som, um pouco afoita, viu o vulto do que parecia ser uma pessoa muito magra e alta correr em direção à próxima sala. Naquele momento, Beatriz sentiu um medo profundo e crescente paralisá-la. Confusa, ficou onde estava por alguns segundos, a beira das lágrimas, mas se forçou a manter a calma. Tinha que haver alguma explicação lógica para aquele lugar.

        - Você só precisa manter a calma. - murmurou para si mesma.

        Depois de respirar fundo, decidiu seguir na direção do som que havia ouvido. Devia ser outra pessoa, talvez um zelador ou algum funcionário do escritório, e poderia ajudá-la a sair dali. Caminhou por mais duas salas, todas como a primeira: um pesadelo amarelado e mal-cheiroso. Ao dobrar um corredor amplo, com mais salas, viu mais uma vez o vulto.

        - Olá! - ela falou bem alto, quase gritando. - Tem alguém ai?

        Ao dizer as palavras, sentiu alguém atrás dela e se virou de uma vez, aflita. Uma criatura, parecida com um mancebo gigante constrído de metal retorcido, estava a poucos metros dela e caminhava lentamente em sua direção. A coisa tinha mais de dois metros de altura e esticava o que pareciam ser seus braços a frente, tentando agarrar alguma coisa. Naquele momento, o pânico tomou conta de Beatriz, e ao invés de correr ou gritar, que seria sua reação natural, ela ficou completamente imóvel. Estranhamente, a coisa também parou. Foi quando Beatriz ergueu a câmera e apontou para o monstro. Assim que o botão de disparo soltou um som de "clic", a criatura correu na direção dela. Sem saber o que fazer, Beatriz soltou um grito, correndo na direção oposta, para mais um corredor escuro que dava em mais uma sala monocromática. A coisa em seu encalço.

        Desesperada, ela não conseguiu gravar na memória o caminho que estava fazendo, apenas correu sem direção e sem olhar para trás. Depois de algum tempo, que lhe pareceram horas, ela percebeu que finalmente tinha despistado a criatura. Parou para recuperar o fôlego e pensar mais racionalmente. Ela repetia para si mesmo que tinha que se manter calma, que aquilo era provavelmente uma alucinação devido ao susto. Tlavez tivesse batido com a cabeça durante a queda no jardim do Ipiranga e tudo isso era apenas um sonho. Beatriz respirou fundo, ajeitou a saia e a camisa, e tocou de leve em uma das paredes. Não, não era sonho. Ela estava mesmo ali. Então, decidiu tirar algumas fotos do lugar, explorando em busca de uma saída.

        Como em um labirinto, eram salas e mais salas, todas iguais: paredes e carpete amarelado, com lâmpadas incandescentes e cheiro sufocante de mofo. Ocasionalmente, ela tirava uma foto e sempre que o fazia parecia ouvir algo se mexedo atrás das paredes. Então, ela percebeu que o que quer que fosse, era atraído pelo som, e decidiu se manter no maior silêncio possível. Ao virar em uma sala, mais um amplo corredor se apresentou diante dela, no fim dele haviam algumas inscrições em uma parede.

        Escrito com algo que parecia giz de cera vermelho, em letras muito grandes no meio da parede, lia-se a frase: "silence, they can hear you", em inglês. Silêncio, eles podem te ouvir. Em volta desta grande inscrição, muitas outras menores, feitas em várias línguas que Beatriz pode reconhecer, pareciam ser nomes de pessoas seguidos de datas, algumas continham apenas o ano, e o nome de cidades. "Klaus, Frankfurt, 25/12/1998", "Charlotte, London, 1832", "Mike, Boston, 12/03/2019", "Petrus, Moscow, 2001". Beatriz não compreender por que alguém faria uma inscrição com uma data no futuro, 1998, 2002, 2019, mas sagora tinha certeza que alguém havia passdo ali antes dela e poderia encontrar ajuda. Cada inscrição era feita com um objeto diferente, alguns pareciam canetas normais, outros pareciam carvão, ou terra, mas a mais antiga, de Charlotte, parecia ter sido feita em sangue, que agora estava seco na parede. Instintivamente, e sem entender muito bem por quê, Beatriz pegou seu batom dentro da bolsa e escreveu: Beatriz, São Paulo,1952.

        Ela arriscou tirar uma foto da parede, e quando o fez percebeu no canto uma pequena seta indicando a direita. Ao olhar naquela direção viu um corredor longo, estreito e escuro. Ao fundo uma luz azulada parecia bruxulear no cômodo. Uma saída, foi o que Beatriz pensou antes de correr na direção da luz. Quando chegou ao fim do túnel, correndo, não conseguiu parar. Quando percebeu que um buraco se abria no chão, já era tarde demais. Ela tinha caído nele e agora estava dentro do que parecia ser um reservatório de água, revestido do chão ao teto com azulejos brancos, também dividido em cômodos. A água azulada e cristalina estava na altura de seu umbigo. Na parede a sua frente, a inscrição: "Welcome to backroom level two". Bem-vindo ao Backroom nível dois.


FIM

...

Backrooms são uma creepypasta, uma lenda de terror criada na internet, que ficou bastante famosa no ano passado. Desde que ouvi sobre os labirintos monoamarelos e seus níveis, tive vontade de criar algo sobre eles, e hoje saiu esse mini-conto. Espero que os amantes de lendas de terror gostem tanto quanto eu gostei de escrevê-lo!

     

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