Charlotte Brontë - Os manuscritos perdidos

by - abril 23, 2023

 

Um dos manuscritos da juvenília dos irmãos Brontë.


    Hoje eu trago minhas impressões sobre "Os manuscritos perdidos", uma coletânea de ensaios de várias autoras sobre a descoberta de manuscritos de uma das famílias mais célebres da literatura mundial, os Brontë. Os manuscritos, um conto e um poema de Charlotte Brontë, apareceram em 2015, encontrados dentro de um livro que pertenceu à Maria Brontë, mãe de Charlotte, Emily, Anne e Branwell. O livro de Maria tem uma história romântica: sobreviveu a um naufrágio. Na verdade, sobreviveu ao encalhamento de um navio de carga que levava os pertences de Maria de sua cidade natal para Haworth, onde viveria com Patrick Brontë após se casarem. O livro descoberto é o "The Remains of Henry Kirke White", antologia dos poemas de Henry Kirke White, poeta que faleceu muito jovem e fez sucesso no começo do século XIX. O "Remains" foi compilado por Robert Suthey, que também assina uma breve biografia do autor. O volume de Maria Brontë foi bastante manuseado por todos da família, e além dos manuscritos inéditos, tinha muitas anotações de todos os Brontë.

    "Os manuscritos perdidos" traz um prefácio da atriz Judi Dench, presidente da Sociedade Brontë, celebrando a descoberta do Remains, que foi comprado de um colecionador particular, com fundos levantados através de uma grande campanha da Sociedade Brontë. Agora o livro está no Brontë Parsonage Museum, que funciona no Presbitério Haworth, onde a família viveu.

    "Os manuscritos perdidos" traz cinco ensaios escritos por pesquisadoras da vida e da obra da família Brontë, todas mulheres. O primeiro deles traz a história do exemplar de Remains de Maria. Escrito por Ann Dinsdale, curadora do museu em Haworth e pesquisadora sobre os Brontë, o artigo apresenta a história de como o livro chegou até nossos dias, retornando a seu lugar na antiga casa da família.

    O segundo ensaio, traz uma análise profunda do Remains e de seu significado para os Brontë. Escrito por Barbara Heritage, diretora e curadora de coleções do Colégio de Livros Raros da Universidade da Virgínia, o artigo traça a procedência histórica do exemplar de Maria e de como o livro foi vorazmente lido e cuidadosamente preservado pela família. O artigo mostra como foi recuperada a história desse item único, revelando quantas vidas ele tocou.

Capa de "Os manuscritos perdidos"

    Escrito por Emma Butcher, pesquisadora do Fundo Leverhulme na Universidade de Leicester, o terceiro ensaio traz uma interpretação do recém-descoberto conto de Charlotte que estava dentro do exemplar de Remains, e conta sobre personagens fictícios de sua juvenília (escritos da juventude de um autor) sobre a "Cidade de Cristal", longa história que Charlotte construiu junto ao irmão Branwell durante a infância e adolescência.

    O quarto artigo reexamina a juvenília de Charlotte a cerca de sua visão peculiar sobre a masculinidade, baseando-se em um poema inédito da autora também encontrado dentro do Remains. Quem assina este artigo é Sarah Maier, professora de inglês e literatura comparada, especialista em autoras do século XIX.

Um dos manuscritos encontrados no livro. Charlotte tinha o costume de escrever livrinhos minúsculos com suas histórias, que fossem fáceis de esconder e que o pai, que enxergava pouco, não pudesse decifrar.

    O quinto e último ensaio, de Ann-Marie Richardson, doutoranda na Universidade de Liverpool, se debruça sobre pequenas anotações e desenhos feitos no Remains e sua relação com a famosa história de amor escrita por Emily, "O morro dos ventos uivantes", que teve como inspiração um poema de Kirke White presente no livro.

    Os cinco ensaios são de leitura muito fluida e bem simples de entender. Mas que o leitor não se engane, eles trazem todo o conhecimento das autoras sobre o tema, enchendo o leitor de informações preciosas a respeito da produção dos Brontë, especificamente de Charlotte. A autora de Jane Eyre se mostrava desde a infância uma ávida leitora, que ainda criança já apresentava suas ideias sobre o mundo a sua volta em forma de histórias fantásticas. Também vemos seu talento precoce para a poesia, um dos gêneros literários que mais gostava de ler. "Os manuscritos perdidos" ainda traz um pouco das trágicas histórias da família, que após perder a mãe ainda muito jovem, viu em um de seus livros, o Remains, uma forma de mantê-la presente. O ensaio sobre a influência de um poema de Kirke White na escrita de "O morro dos ventos uivantes" é um deleite aos amantes da obra, mostrando um pouco do que Emily pode ter vivenciado para escreve-la. A forma como vemos os poemas de Henry orientando as escolhas literárias dos Brontë, nos mostra como sua existência era um lembrete da presença da mãe.
    A família Brontë teve uma vasta produção literária em sua juventude, e vai muito além dos livros de Charlotte, Emily e Anne que até hoje são célebres. Saber que a descoberta do livro de poemas de Kirke White, em 2015, causou uma grande revolução nos estudos sobre a produção bronteana, torna sua obra ainda mais fascinante! Agora vou reler Jane Eyre, Agnes Grey e Morro dos ventos uivantes com novos olhos!
    Recomendo demais a leitura de "Os manuscritos perdidos", indispensável para os amantes dos livros das irmãs Brontë.

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