Obras de arte vandalizadas em Brasília

by - janeiro 12, 2023

    Desde o último domingo, dia 08, têm sido amplamente divulgadas as ações de vandalismo nos prédios do Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal, Congresso e Senado em Brasília. Também muito se tem falado sobre as obras de arte que foram parcial ou totalmente destruídas. Neste texto, quero chamar atenção para três obras vandalizadas específicas e seus autores. Tratam-se de três grandes nomes das artes brasileiras e de três obras cuja simbologia é muito maior do que apenas seu aspecto estético. Perdas irreparáveis, mesmo que possam ser restauradas.

    Começo falando da tela intitulada "As mulatas", de Di Cavalcanti. O pintor modernista não batizava suas obras, quem fazia isso eram os colecionadores e agentes do mercado de arte e a obra hoje conhecida como "As mulatas" já foi chamada de "Mulheres na varanda". Avaliada em oito milhões de reais, a tela pode chegar a valores três vezes maiores em leilões. O quadro é a principal peça do Salão Nobre do Planalto e uma das mais importantes do pintor carioca. Produzida em 1962, a obra reflete o interesse de Di Cavalcanti pelo muralismo, em especial o mexicano, e evidencia a influência da arte de Diego Rivera em sua obra.

O quadro antes de ser vandalizado.

    Conhecido como o "pintor das mulatas", Di Cavalcanti mostrava a mulata em sua brasilidade, como gente da terra, parte intrínseca do país. Seu interesse por esse recorte tem raiz em uma das preocupações do modernismo brasileiro, do qual Di foi um grande representante, que era justamente a busca por uma identidade nacional. Como modernista, o pintor procurava valorizar a cultura nacional para fazer uma arte autêntica e original, buscando representar o povo das ruas brasileiras.

    A importância do quadro depredado em Brasília residia no fato de que a obra continha todas as principais características da arte de Di Cavalcanti: a representação do povo brasileiro, a busca pela identidade nacional, a valorização da cultura brasileira através das formas e cores, e sua linguagem artística própria que, a despeito de influências externas, era autêntica e original.

O quadro com os rasgos feitos pelos vândalos.

    Outra obra afetada durante os atos de vandalismo foi o vitral "Araguaia" de Marianne Peretti. A obra, de 1977 que fica no Salão Verde do Congresso Nacional, é uma maquete tátil que permite experiências sensoriais e cinestésicas. Peretti usou uma técnica que simula o movimento das figuras geométricas feitas em vidro, representando o curso de um rio, no caso do rio Araguaia. Única mulher no time de artistas de Oscar Niemeyer, a artista plástica tinha um estilo marcado pela estrutura orgânica de formas naturais, que representavam folhas, gotas d'água e raios solares. Marianne Peretti é considerada a maior vitrinista brasileira, e suas obras, modernistas com toque brasileiro, são deslumbrantes, impactantes e sensíveis.

"Araguaia" em imagem antes de 08 de janeiro. Não foi possível especificar os danos feitos na obra, que serão avaliados após a perícia realizada pela Polícia Federal.

    A terceira obra que quero salientar é "Galhos e sombras", de Frans Krajcberg. Feita em galhos de madeira, a escultura era uma representação fiel da preocupação do artista com uma arte relacionada à pesquisa e utilização de elementos da natureza, destacando-se pelo ativismo ecológico que associa arte e defesa do meio ambiente.

"Galhos e Sombras" após a vandalização.

    É urgente salientar a importância de preservar obras de arte e objetos históricos. Tais obras são um registro material da cultura, da expressão artística, da forma de pensar e sentir de uma comunidade em determinado período histórico; são um registro da história, dos saberes, dos pensamentos e reflexões de toda uma sociedade. Obras de arte são suportes materiais que servem como registro de uma cultura, são como documentos que contam a história do nosso povo.

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