Análise literária de Drácula, de Bram Stoker

by - janeiro 18, 2023



Caracterização de Drácula, no filme de 1992.

    Drácula dispensa apresentações. O vampiro mais conhecido do mundo literário e também do cinema, foi criado por Bram Stoker, em 1897. O personagem foi inspirado em uma pessoa real: o príncipe da Romênia Vlad III, que viveu no século XV, mais precisamente entre 1431 e 1476, e era conhecido como Vlad Dracul, que significa dragão na língua romena, ou Vlad, o empalador. Sua fama de crueldade e brutalidade serviu de inspiração para Stoker.

    Vale ressaltar que Drácula não é o primeiro livro a apresentar um vampiro, embora seja o mais famoso. Na época de seu lançamento, o tema já vinha sendo muito abordado desde o lançamento de Carmilla, de Sheridan Le Fanu, história que também inspirou Stoker.

    O livro se passa na Era Vitoriana, mais precisamente no final do século XIX, mesma época de sua criação, quando a Inglaterra passava por profundas transformações decorrentes da Revolução Industrial e do avanço da ciência. O mesmo contexto histórico também serviu de pano de fundo para outros personagens famosos da literatura, como Sherlock Holmes, Dorian Gray e Dr. Moreau. No auge da industrialização e da política colonial, o Império Britânico se transformou na mais importante empresa planetária e sua sociedade sofreu grandes mudanças, atraindo imigrantes e criando uma profunda desigualdade social. Apesar do enriquecimento da classe burguesa, os trabalhadores passavam as mais brutais necessidades e indignidades. A era vitoriana também foi um momento de grande rigidez de princípios moralistas.

Rainha Vitória

   Drácula é uma narrativa epistolar, contada através de diários, cartas e gravações feitas em um fonógrafo (grande invenção tecnológica do período). A genialidade narrativa de Stoker, deixa mais atmosférica e imersiva a história do vampiro, transformando o livro em um clássico do horror literário. Os personagens são interessantes e muito bem construídos, servindo perfeitamente aos propósitos do autor de criar caricaturas de uma camada da sociedade inglesa da época. Pode se dizer que todos os personagens contrários a Drácula são estereótipos da virtude da época, o que pode torná-los, aos olhos do leitor do século XXI, um pouco maçantes, mas nada a ponto de fazer perder o interesse na leitura.

    Uma das críticas mais comuns em relação à estrutura narrativa são as longas descrições dos cenários naturais, porém temos que lembrar que em 1897 as pessoas não viajavam muito, conhecendo muito pouco fora de seu círculo geográfico de nascimento. Também era muito restrito o acesso a fotografias ou gravuras que mostrassem outros lugares. Assim, era preciso descrever os cenários com riqueza de detalhes, para colocar o leitor na cena.

    Drácula traz alguns temas muito importantes em sua narrativa. O primeiro são as consequências da modernidade, o segundo é o papel da mulher vitoriana, o terceiro, a promessa da salvação cristã, e o último é a xenofobia.

    As consequências da modernidade:
    As mudanças drásticas na ordem social e as inovações tecnológicas do final do século XIX, entre elas a Teoria da Evolução de Darwin, influenciaram profundamente a obra. O livro pode ser visto como uma forma de reestabelecer os bons costumes antigos (que vinham mudando com a Revolução Industrial), e a fé cristã, que foi abalada pelas descobertas de Darwin, que afirmava que o homem surgiu da evolução das espécies, e não por uma criação divina. Durante a história, os avanços da modernidade ajudam de muitas formas o conde demoníaco a alcançar seus objetivos. O personagem do Dr. Van Helsing faz um contraponto entre ciência e outros conhecimentos mais "espirituais, ocultos", mostrando o perigo de se guiar apenas pela ciência, deixando de lado os conhecimentos religiosos.

    O papel da mulher vitoriana:
    As figuras femininas representam a forma como as mulheres eram vistas na época, bem como qual comportamento se espera delas. Ainda no final do século XIX, a chamada primeira onda feminista ganhou destaque no Reino Unido, e seu ativismo passou a contestar o poder político masculino, com muitas mulheres começando a exigir o direito ao voto, reivindicações que ficaram conhecidas como movimento sufragista. Essa onda feminista começa a trazer outras discussões, como a expressão sexual feminina, tema abordado no livro. A mulher vitoriana tinha duas opções: ser um modelo de pureza, virgem, ou ser esposa e mãe. Qualquer coisa fora disso, ela era considerada prostituta e, portanto, sem nenhum valor social.

    No livro, a personagem Lucy representa que a batalha entre o bem o dependerá da sexualidade feminina. Se as mulheres escolherem liberdade de expressão sexual, vão condenar a humanidade ao inferno, se escolherem a pureza, serão a salvação. Drácula age para transformar Mina e Lucy, de virgens puras, em prostitutas. Nesse contexto, Lucy é condenada à morte, à danação no inferno por ser levemente mais sexualizada que Mina, cedendo às ações de Drácula. Os homens temem perder Mina da mesma forma, pois não querem se associar a prostitutas, temendo por sua reputação.

    As vampiras, familiares de Drácula que aparecem no começo do livro enquanto Harker está preso, incorporam o sonho e o pesadelo da imaginação masculina vitoriana: sensuais, donas de si, desobedientes e agressivas sexualmente.

    O nome do navio que Drácula usa para chegar à Inglaterra é Czarina Catherine, imperatriz russa famosa pela promiscuidade. Isso pode indicar as intenções de Drácula, e também a xenofobia e machismo expressos na história.

Manifestações em favor ao direito do voto feminino no final do século XIX.


     A promessa da salvação cristã
    No livro, as armas mais eficazes contra o mal são símbolos cristãos do bem: crucifixo e água benta, por exemplo. O livro traz muitas representações desses símbolos, como se a história quisesse reforçar a promessa da salvação cristã. Drácula, tão antigo quanto o próprio cristianismo, representa Satã. O consumo de sangue é uma perversão do ritual cristão do sacrifício de Cristo, que deu a vida, representada pelo sangue, pela salvação da humanidade.

Crucifixos e vampiros: uma representação da ideia de salvação cristã.

      Xenofobia:
    Drácula serve a um propósito propagandístico da xenofobia que imperava na Inglaterra no final do século XIX. O livro apresenta os "estranhos" povos do oriente como seres sobrenaturais, representantes do mal, reforçando o discurso imperialista inglês que apresentava o "fardo do homem branco", uma teoria que diz ser dever do homem branco europeu colonizar outros territórios com a finalidade de levar a salvação, a civilização, aos "bárbaros", como se não houvessem interesses econômicos nas invasões inglesas em territórios como África e Ásia.

    Drácula é uma obra prima do terror gótico do final do século XIX, uma leitura obrigatória para todos os amantes da leitura!


Live da análise literária de Drácula que rolou lá no insta!






    



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