MASP | Exposição permanente

by - junho 02, 2023

Créditos: iStock - Phaelnogueira


    A maioria dos nossos sonhos e objetivos são representações de grandes conquistas, coisas que requerem grande esforço. Os sonhos parecem ser feitos - pelo menos a maior parte deles - de uma matéria etérea que geralmente só é conquistada através de muita luta. Mas a vida também é feita de sonhos, digamos, simples. Pequenos desejos que povoam nossa mente no dia-a-dia, mas que (infelizmente), às vezes, nem chegam a se tornar planos concretos. Para mim, esses pequenos desejos são o sal que tempera a vida diária, e sempre achei um desperdício precioso de oportunidade deixá-los morrer sem ter uma chance. Um desses meus sonhos simples se tornou realidade em maio: conhecer o MASP.

    Seja por seu acervo eclético e muito, muito rico, ou por ser considerado o Museu de arte mais importante do Hemisfério Sul, o MASP sempre me atraiu. Não sei explicar por quê, mas mesmo nos anos em que morei em São Paulo nunca fui visitá-lo, e esse fato começou a me preencher como uma falta, um sentimento explicado pela frase "saudade do que não vivi". Eu sentia saudade do MASP, mesmo sem nunca te-lo conhecido. Mas a oportunidade surgiu e lá fui eu me aventurar na paulicéia desvairada.

       O dia estava claro e quase fazia calor quando desci na estação Trianon-Masp do metrô por volta das quatro da tarde. Subindo as escadas que dão acesso à calçada, olhei para frente e vi, há um quarteirão de distância, uma das estruturas de concreto pintadas de vermelho que sustentam o prédio. Enquanto caminhava, o famoso vão-livre que funciona como andar térreo se apresentava, cada vez mais convidativo.

      Havia uma pequena fila para comprar os ingressos e conforme ela avançava, mais e mais pessoas se somavam. O MASP fecha sua bilheteria às 16h30 e a permanência no Museu é permitida até às 18h00. Peguei o último horário, encaixando o passeio em um dia cheio. O valor da entrada é um pouco mais salgado do que de outras instituições da cidade, mas já adianto que vale cada centavo.

      O Museu tem três espaços de exposição. No terceiro andar fica a exposição permanente chamada "Acervo em transformação", sobre a qual se dedica este post; no segundo, uma exposição temporária; e no subsolo, que é dividido entre um andar baixo e um elevado, ficam uma exposição temporária, bem como café e lojinha de souvenirs. A exposição permanente dá ao MASP o cargo de maior Museu de arte do Hemisfério Sul e sua riqueza me inspirou a escrever este post.

      Assim que a porta do elevador se abre para o terceiro andar, um piso escuro se estende por um amplo salão de paredes envidraçadas, cobertas por persianas cinzas que controlam a iluminação. O salão é preenchido por quadros que parecem flutuar pelo espaço, dançando conforme o visitante se move entre eles. Pequenos blocos de concreto sustentam uma parede de vidro onde as obras ficam expostas. São os famosos cavaletes de cristal projetados por Lina Bo Bardi, que também assina o projeto arquitetônico do Museu.

Créditos: Masp

       Entre as obras, "A ponte japonesa sobre a lagoa das ninfeias em Giverney", de Monet, flutua no mar de arte, parecendo despretencioso. Pintado em Giverny, como o próprio nome do quadro diz, faz parte da produção dos últimos anos de vida do pintor. Nesta fase, a forma dos objetos se desfaz, e a imagem perde lugar para os efeitos das manhchas na superfície da tela. Ali, suspenso no ar, o quadro parece uma janela para um jardim.

A ponte japonesa sobre a lagoa das ninfeias em Giverney
Foto: @marinaeseuslivros

        Perto da ponte japonesa de Monet, "As meninas Cahen d'Anvers", de Renoir, nos encaram em seus belos vestidos rosa e azul, como se posassem para uma foto. A pintura se destaca pelo detalhamento dos vestidos com relevos em branco formando os babados. Durante a exposição do quadro na Suiça, em 1987, a garota de azul foi reconhecida por um dos visitantes. Chamava-se Elizabeth, e o visitante que a reconheceu era seu sobrinho, que escreveu ao MASP contando o destino cruel da tia. Elizabeth faleceu em um trem a caminho do campo de concentração de Auschwitz, em 1944, aos 69 anos.

As meninas Cahen d'Anvers
Foto: @marinaeseuslivros

      Alguns passos a diante, "O escolar", de Van Gogh, nos aguarda. O menino do quadro é Camille, filho do carteiro Joseph Roulin, um dos únicos amigos do pintor em Arles, onde morou. O mesmo fundo amarelo e vermelho é visto em outras obras dessa fase de Van Gogh, incluindo seus autorretratos. As cores vibrantes marcam as pinceladas evidentes e chamam atenção no conjunto de quadros esvoaçantes.

O escolar
Foto: @marinaeseuslivros

      Quero destacar mais um trabalho do "Acervo em transformação" do MASP. Já adianto que vou fazer um post exclusivo para estas artistas, mas quero registrar aqui o primeiro quadro que vi ao entrar na exposição. Logo no início do mar de quadros suspensos, uma obra do coletivo de artistas feministas Guerrilla Girls nos acena com algumas reflexões acerca do espaço da mulher na arte. "As vantagens de ser uma mulher artista" elenca vários pontos interessantes que nos fazem pensar sobre o universo da arte pelo primsa de exclusão do sexismo.

Créditos: MASP

      Para fechar meu passeio neste andar, uma das últimas obras me tirou o folego. Em moldura suntuosa, flutuando no final da exposição, a "Ressurreição de Cristo" de Rafael, nos convida a um olhar mais atento. Segundo a história oficial da pintura, ela teria sido comprada em um domingo de Páscoa na galeria Knoedler, em Nova York, por Assis Chateaubriand, fundador do MASP, acompanhado por Walther Moreira Salles, um dos doadores do quadro ao acervo, sem um certificado de atribuição de autoria, documento importante que garantiria que a obra era mesmo de Rafael. Anos mais tarde, foram encontrados no acervo do Ashmolean Museum, em Oxford, dois desenhos preparatórios para a pintura assinados por Rafael, sacramentando a obra ao famoso pintor italiano.

Ressurreição de Cristo
Foto: @marinaeseuslivros

          A visita ao MASP é um turbilhão de informações e beleza que merece mais alguns posts por aqui. Ainda quero detalhar a belíssima exposição "Mirações" do MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin, um dos principais agentes do cenário da arte contemporânea indígena brasileira. E não posso deixar de abordar as exposições de Paul Gauguin e Carmélia Emiliano.

           Por enquanto, fico com uma parte do acervo principal na tentativa de colocar esse sonho simples em mais alguns corações. Espero que tenham gostado do passeio.

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